sábado, 14 de março de 2009

Chimpanzés também choram

(Um brevíssimo ensaio sobre o ato de chorar).

Não sou do tipo que chora diante da beleza; tampouco costumo chorar em momentos tristes. Quando, porém, sou tomado por um forte sentimento de desesperança, as lágrimas vêm-me de maneira convulsa, violenta. O pranto me atira numa tormenta de onde custo a sair, e tenho de lutar para não ser acometido do mais ignóbil dos sentimentos: a autocomiseração. Se o sujeito sente pena de si mesmo, perde imediatamente sua identidade. Tudo o que nele havia de digno e admirável dilui-se no caldo ácido dessa sensação perniciosa. Ele sabe que se insistir nisso não conseguirá levantar da cama na manhã seguinte e encarar quem quer que seja. Terá deixado de ser um homem. O humano nele se perdeu.

Também não sei como reagir adequadamente diante de alguém que chora. Não tenho o hábito de chorar na presença de outras pessoas e, quando o faço, prefiro não ser amparado. Palavras ou gestos de alento estimulam ainda mais minhas glândulas lacrimais, e o desastre então é maior. Mas eu imagino que nem todo mundo seja assim.

Lembro-me de ter enfrentado maus momentos com amigos que desataram a chorar diante de mim. Em casos assim, gastamos todo nosso arsenal de frases de efeito. Em princípio tentamos fugir delas, mas acabamos transigindo quando o companheiro, desesperado, diz que sua vida não tem mais sentido e aventa a possibilidade do suicídio.

Minha mãe chorou durante ininterruptos dez dias quando meu avô paterno morreu. Ambos eram muito ligados – e meu avô morreu relativamente jovem e numa cidade distante. Quando seu pai morreu, ela não se abateu tanto, como se acreditasse que a morte o tinha levado em justa hora, além de tê-lo livrado de um sofrimento cruel.

Amigos meus choraram por amor. Porque tinham levado um pé na bunda, ou porque haviam sido traídos. Como é triste (e patético) o choro de um homem traído! Só não é mais deprimente e ridículo que o pranto de alguém que deixou o amor escapar, não se declarou. Aliás, não há choro mais daninho e excruciante que o do arrependido. Nem mesmo o choro da vergonha faz frente ao do remorso.

O maior equívoco que as pessoas em geral cometem no que concerne ao ato de chorar é acreditar que esta é a única maneira legítima de se expressar sofrimento. Esse é, a meu ver, um erro primário. O choro é apenas uma forma de exteriorizar o sofrimento, e não a única. Muitas pessoas são tachadas de insensíveis ou frias porque não se põe a chorar em face de uma situação triste, e isso muitas vezes acaba contribuindo para que elas próprias acreditem na sua falta de sensibilidade.

Por outro lado, nossa sociedade costuma encarar o choro como sinal de fraqueza, em determinados momentos. Nesse sentido, o tratamento dado às crianças é exemplar, principalmente em se tratando de meninos. A estes o direito de chorar só é dado em situações extraordinárias. Se, durante uma brincadeira, um garoto se machuca e seu rosto se contrai numa expressão de dor, os pais tratam logo de proferir a velha máxima: homem não chora. Ou, o que soa ainda mais desumano: engole o choro – sendo esta última frase usada para recriminar as crianças birrentas.

Reza a lenda que, no final da vida, quando a sífilis já havia comprometido bastante sua saúde, Nietzsche chorou ao ver um cavalo ser chicoteado por seu dono numa rua de Turim. Compadecido do sofrimento do animal, o filósofo avizinhou-se dele e abraçou-se a seu pescoço, chorando copiosamente.

Por meio desse gesto, o grande pensador alemão expressou sua consideração às únicas criaturas realmente inocentes sobre a Terra. Isso, contudo, não faz de Nietzsche um homem bom – como de resto nenhum homem é bom só porque chora diante da dor ou da beleza.

Até os animais choram. No filme Camelos Também Choram (2003), uma equipe de documentaristas acompanha o esforço de um grupo de aldeões da Mongólia para fazer com que uma mãe camelo aceite seu filhote e o amamente. A rejeição da mãe tem a ver com o fato de o filhote ser branco e não marrom como ela. Preocupados com a sobrevivência do animal, seus donos decidem recorrer a um ritual mítico que envolve um solo de violino e o canto de uma mulher. Duas crianças são enviadas à cidade mais próxima para recrutar um violinista. Cumprida essa tarefa, os aldeões procedem ao ritual, e pouco a pouco vemos a mãe camelo se deixar enternecer pelo pungente concerto. Após alguns minutos de exposição à música, lágrimas começam a brotar dos seus olhos grandes e melancólicos. E tudo culmina no tão almejado reencontro entre mãe e filhote.